Coletiva de imprensa Fecomércio-RS: desafios para 2024 e análise da conjuntura político-econômica
04/12/2023
Geral
Economia
Fotos João Alves

Um 2024 mais modesto depois de três anos seguidos com crescimento acelerado é o que projetou o presidente do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac, Luiz Carlos Bohn, durante a coletiva de final de ano da entidade realizada nesta segunda-feira, 04 de dezembro. Depois de três anos seguidos com índices de 4,8% em 2021, 2,9% em 2022 e, provavelmente, 3% em 2023, a expectativa é de um próximo ano com crescimento mais tímido, sem a forte influência da agropecuária. Conforme análise econômica, a desaceleração do crescimento da atividade econômica já é sentida desde o segundo semestre de 2023.


“O crescimento de PIB menor em 2024, no Brasil, não é necessariamente uma má notícia para o setor do comércio de bens, serviços e turismo. O mercado de trabalho continua aquecido, pois a taxa de participação não retomou os níveis pré-pandemia, o que mantém os rendimentos médios das famílias. Além da manutenção da renda, em 2024, teremos crédito um pouco mais barato, com queda na Selic”, disse Bohn.


Sobre a desinflação, a análise projeta que deverá ser pequena e 2024 terminará acima da meta de 3%.  Além disso, os alimentos não devem repetir a deflação observada este ano. No âmbito local, o Rio Grande do Sul deverá crescer mais que o Brasil, algo que não ocorre há vários anos em função do clima afetar negativamente a agropecuária.


Para o presidente, embora o cenário se desenhe de forma positiva, ainda existem muitos fatores que podem mudar os rumos do desenvolvimento do Estado, como a aprovação do aumento da alíquota do ICMS e o reajuste do piso regional. “Vislumbramos um ano positivo, com base no estudo econômico, mas estamos alertas a alguns projetos na esfera tributária e trabalhista. Seguiremos atuantes na defesa dos empresários, responsáveis pela produtividade que tanto gera desenvolvimento e prosperidade para o nosso Estado”, afirmou.

 

Desempenho do PIB, mercado de trabalho e inflação cadente

A questão da heterogeneidade no desempenho do PIB e do mercado de trabalho deram início à apresentação do consultor econômico da Fecomércio-RS, Marcelo Portugal. As reformas estruturais feitas nos últimos seis anos, como a trabalhista e a previdenciária, além das privatizações, abertura da economia, entre outras medidas, ainda estão gerando um efeito positivo sobre a atividade econômica. Porém, no último semestre não tivemos mais projetos neste sentido e a reforma tributária só terá impactos no futuro. “A taxa média de crescimento do PIB nos últimos oito trimestres foi de 0,83%, ou 3,3% anualizados, acima dos 2,3% que é a nossa média histórica desde 1993. No curto prazo, teremos desaceleração no crescimento do PIB”, explicou Portugal.


Outro ponto destacado é a heterogeneidade entre e dentro dos próprios setores. Enquanto, nos últimos anos, a agropecuária teve um ótimo desempenho, o PIB da indústria foi na contramão. Nos 2º trimestres de 2021 e 2023 cresceu 3,5%, enquanto o setor de Serviços Industriais de Utilidade Pública (SIUP) cresceu 14,5% e a Construção 10,7%. Já a Indústria da Transformação caiu 1,4%, continuando no mesmo patamar de produção do 3º trimestre de 2015.


“No caso do setor de Serviços, o crescimento agregado entre os 2º trimestres de 2021 e 2023 foi de 7,2%. Mas Outros Serviços (16,8%) e Transportes (14,3%) despontam como locomotivas do setor. O PIB do Comércio está praticamente estagnado (0,9%). Ou seja, isso nos mostra a grande disparidade entre os segmentos”, pontuou o economista. Sobra a Taxa de Ocupação, o mercado de trabalho esteve aquecido, com desemprego em queda, pois houve uma recuperação apenas parcial da taxa de participação na força de trabalho e um bom ritmo de geração de postos de trabalho. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra desaceleração na geração de postos de trabalho, mas o nível ainda é muito elevado. “Percebemos aqui, que a reforma trabalhista continua gerando ótimos resultados para o País, dinamizando a geração de emprego e renda para a população”, disse.


O cenário, provavelmente, ajudará no desempenho das vendas em 2024. O alto número de contratações somado à queda da inflação ajudam a elevar a massa de rendimentos, o que é muito positivo para o varejo. “Em 2023, o juro elevado e o crédito escasso impactaram negativamente na massa de salários. Mas, em 2024, com a continuidade da queda na Selic, ambos vão ajudar as vendas”. Porém, os Índices de Confiança do Consumidor (FGV) que apresentavam melhora até setembro, tiveram queda nos meses outubro e novembro. Este é um ponto de atenção para o setor. “Quem não está confiante no futuro, mesmo tendo renda ou crédito disponível, prefere não comprar”, falou Portugal.


Sobre a inflação em 2023, a sua queda foi muito significativa. Saímos de 5,8%, em dezembro de 2022, para 4,8% nos últimos 12 meses, até outubro de 2023. “A inflação cadente é resultado do sucesso da política monetária”, acredita o economista. Porém, essa queda de 1 ponto percentual esconde o verdadeiro tamanho da desinflação ocorrida em 2023. Vale lembrar que a inflação de 2022 foi beneficiada pelas desonerações tributárias e a inflação de 2023 foi prejudicada pela eliminação parcial dessas desonerações.


Em relação às projeções para 2024, elas não são tão positivas quanto o ano anterior, pois os dois principais vetores de desinflação de 2023 vão perder força no próximo ano: a deflação de alimentos e uma política monetária bem apertada. A taxa Selic vai continuar a cair, reduzindo o juro real, e o agronegócio vai ajudar bem menos. Esse efeito já pode ser percebido desde de novembro deste ano. “O mercado prevê uma queda suave na inflação, saindo de 4,5% em 2023 para 3,9% em 2024. Parte significativa da desinflação de 2023 foi gerada por uma política monetária bem apertada e por um comportamento muito positivo dos alimentos. Isso não vai se repetir em 2024”, colocou Portugal.

 

Desafios para 2024

O principal desafio apontado por Marcelo Portugal é o ajuste fiscal. O Arcabouço Fiscal projetava -0,5% em 2023, em função da PEC da Transição, que estourou o Teto de Gastos. A projeção atual do Tesouro é de -1,7% do PIB em 2023. Somado a isso, ainda há a proposta de elevação real contínua do gasto público, entre 0,6% e 2,5% a cada ano. Com metas de melhoria do resultado primário, o governo depende muito de um crescimento contínuo da arrecadação acima da inflação. Os dados mais recentes mostram que essa expansão contínua, em termos reais, da arrecadação não perdurará em 2024.


O economista lembra que depois da queda no início da pandemia (em função do lockdown) a receita mostrou forte expansão a partir do final de 2020 em virtude do crescimento do consumo de bens que de serviços; ganho de mercado de grandes empresas em detrimento das pequenas e o crescimento dos preços do petróleo com câmbio desvalorizado (royalties). Com isso, a arrecadação federal aumentou de R$ 1,87 trilhões para R$ 2,34 trilhões, representando um crescimento real de 25%. Entretanto, esse processo se esgotou. Neste contexto, é nítido que o contingenciamento de despesas não poderá ser feito com o objetivo de garantir a meta de equilíbrio primário.


“Estabeleceu-se uma hierarquia entre os dois objetivos do Arcabouço Fiscal: expandir o gasto público em termos reais e atingir o equilíbrio primário. Em primeiro lugar vem a expansão real do gasto público. Dessa forma, o resultado primário sai por resíduo, garantindo a elevação real de gastos públicos em 0,6%. Ou seja, o resultado primário vai depender do crescimento da receita”, concluiu o consultor.

Para encerrar, o economista falou sobre a arrecadação do ICMS. Ele comparou o cenário do País com o regional: “Algo similar ocorreu com a arrecadação de ICMS no Rio Grande do Sul, que teve uma expansão totalmente não usual após a pandemia. Chegou a atingir R$ 52,8 bilhões em janeiro de 2022. Em 2023, a arrecadação está voltando para o seu padrão histórico”.


A arrecadação entre janeiro e outubro de 2023 é menor que os recordes atingidos em 2021 e 2022. Mas é um pouco superior ao que era normal antes da pandemia. Essa queda vai interferir de forma negativa em 2024 e 2025, pois no momento de ganho de receita, o governo também ampliou os gastos permanentes. “A verdadeira origem dessa elevação de alíquotas de ICMS, que começou pelos estados do Norte e Nordeste, em 2022, quando não existia nem mesmo um projeto de reforma tributária, parece ser uma tentativa de compensar a LC 194/2022. A proposta parece ser: subir mais o ICMS no presente para mantê-lo alto no futuro”, finalizou.


Tags: