A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgou, em entrevista coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (19 de janeiro), a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) anual. Na série histórica, iniciada em 2011, o ano bateu recorde: 77,9% das famílias estavam endividadas em 2022, uma alta de 7 pontos percentuais em relação a 2021 e de 14,3 no comparado com 2019, antes da pandemia de covid-19. O índice mais baixo foi registrado em 2018, quando 60,3% das famílias estavam com dívidas.
O perfil da pessoa endividada que desponta a partir da Peic é de uma mulher, com menos de 35 anos e Ensino Médio incompleto, moradora das regiões Sul ou Sudeste, cuja família recebe até 10 salários mínimos. O presidente da CNC, José Roberto Tadros, explica que a pandemia reverteu a tendência de queda no endividamento que era registrada até 2019, especialmente entre os mais pobres. “Os efeitos perversos da pandemia, com o fechamento de negócios e o aumento do número de desempregados, e no pós-pandemia com o avanço da inflação, fez com que as famílias com rendas mais baixas precisassem recorrer ao crédito para manutenção do consumo de primeira necessidade. Enquanto entre as famílias de maior renda a retomada do consumo reprimido levou a maior contratação de dívidas. Esses fatores, geraram o aumento no número de endividados em 2022 no País”, afirma Tadros.
Recorde de superendividamento
A Peic anual indicou que, do total de endividados, 17,6% se consideraram muito endividados, a maior proporção da série histórica. A cada 10 famílias com renda mais baixa, duas comprometeram mais da metade da renda mensal para o pagamento das dívidas. Já entre aqueles com maiores salários, o índice cai pela metade, o que sugere que o superendividamento está concentrado entre os mais pobres.
Em média, durante 2022, o brasileiro gastou, a cada R$ 1 mil, R$ 302 em dívidas. No total, 70% das famílias comprometeram pelo menos 10% da renda com essa finalidade. Mais de 1/5 dos endividados tiveram de gastar, no mínimo, metade do salário para pagar dívidas.
Durante a coletiva de imprensa, o diretor de Economia e Inovação da CNC, Guilherme Mercês, afirmou que é importante que sejam adotadas medidas que possibilitem uma redução nos juros e na inflação, com uma nova âncora fiscal para a gestão das contas públicas. “Em mais de dez anos, nunca as pessoas se sentiram tão endividadas e o que a Peic demonstra é que o superendividamento é principalmente um problema para as famílias de baixa renda. Se esse endividamento diz respeito ao custo dos créditos e da inflação, um dos fatores essenciais para resolver isso é ter uma economia brasileira com juros mais civilizados, porque taxa de juros alta é sinônimo de dívidas caras, sempre. Portanto programas de renegociação de endividamento como os que estão sendo anunciados são fundamentais e estancam as angústias das pessoas e famílias. Mas em termos estruturais, o que vai resolver esse problema é uma taxa de juros mais baixa,” afirmou Mercês.
Maior percentual de endividamento no cartão em 10 anos
A principal forma de endividamento no ano passado foi o cartão de crédito, mesmo que os juros sejam os maiores desde dezembro de 2016 – a taxa de juros média em todas as operações de crédito com pessoas físicas saltou de 41,2% para 52,1% ao ano, alta de 10,6 pontos em 2022. Se em 2012, 75,2% das dívidas eram no cartão, o ano passado terminou com 86,6%, um aumento superior a 11 pontos percentuais. A economista responsável pela pesquisa, Izis Ferreira, aponta um dado preocupante: o cenário econômico geral apertou o orçamento das famílias e despesas essenciais se transformaram em dívidas. “As pessoas com renda mais baixa estão usando o cartão de crédito para comprar alimentos e medicamentos, além de pagar contas de luz e telefone, por exemplo, para postergar o gasto para o mês seguinte ou mesmo parcelar esses valores”, afirma.
Inadimplência também é recorde
Segundo Izis Ferreira, é preciso cuidado para que o parcelamento desse tipo de dívida não se transforme em inadimplência. Em 2022, houve um crescimento de 3,7 pontos percentuais no número de famílias com dívidas atrasadas em relação a 2021: de cada 10, três atrasaram algum pagamento. Esse valor é o maior desde o início da pesquisa. O perfil do inadimplente é também de uma mulher, no entanto, com mais de 35 anos, Ensino Médio incompleto, na faixa menor de renda e moradora do Norte ou Nordeste.
Além disso, entre os inadimplentes, 43% atrasaram as dívidas por mais de três meses e 10,7% afirmaram que não terão como quitar os débitos. Esse número dobrou em relação a 2014, quando foi atingido o menor nível da série. Entre as famílias de renda menor, 32,3% não têm condições de pagar os atrasados, enquanto entre as que recebem salários maiores, esse índice fechou o ano em 13,3%.